Traduzir o paraíso
Quando ainda editava obras de não-ficção, publiquei a certa altura um livro de Bill Gates, no qual se dizia que o mundo tinha mudado mais nos últimos 50 anos do que nos 500 anteriores. Pois bem, o número de traduções desse longuíssimo poema do século XVII chamado Paradise Lost (Paraíso Perdido), de John Milton – considerado um dos melhores livros de todos os tempos (Harold Bloom incluiu-o em O Cânone Ocidental, que também publiquei na Temas e Debates) –, foi, nos últimos 30 anos, muito maior do que nos 300 anos anteriores. A obra (que está dividida em dez livros) tem cerca de 300 traduções em 57 línguas, das mais «normais» (francês, alemão, hebraico ou castelhano) às mais estranhas (tâmil, persa, tonganês, galês e frísio). Estudiosos em todo o mundo reuniram-se para perceber quantas são as versões e porque, em certos países, houve mais de uma, chegando a interessantes conclusões, tais como que a publicação da obra coincide frequentemente com períodos de nacionalismo exacerbado ou de rebelião (e tudo vai estar explicado num livro intitulado Milton in Translation). Publicado originalmente em 1667, o poema sobre a desobediência de Adão ao comer o fruto proibido está disponível em português na editora Livros Cotovia com tradução do poeta Daniel Jonas, mas a obra já tinha tido uma tradução de Fernando da Costa Soares e Raul Mateus da Silva (feita, julgo eu, a partir da versão francesa), que também ainda se encontra à venda pela editora Húmus, e, pelo menos, outra mais antiga, do século XIX, pela pena do doutor António José de Lima Leitão. O pecado original nunca passa de moda.