Um discurso adequado
Desafiada pelo Extraordinário António Luiz Pacheco, falo-vos então da adequação da linguagem às personagens de um romance. Na verdade, não é questão de somenos, porque uma falha nisto pode deitar por terra toda a construção romanesca. Há, aliás, entre os potenciais autores de que recebo originais muitos que não têm qualquer talento para os diálogos (escrevem o discurso directo como o indirecto e vê-se logo que ninguém falaria assim). O primeiro escritor que publiquei que fazia diálogos inteiramente credíveis e perfeitamente adequados aos falantes foi João Tordo, um escritor muito «anglo-saxónico», mas não por acaso soube à frente que era também guionista, o que terá tido bastante influência, uma vez que um guionista é sobretudo um escritor de falas. Tenho ainda outro autor (João Pinto Coelho) que me contou reproduzir em voz alta as conversas que escrevia para ver como soavam e emendar em conformidade. Quando edito um texto, não raro ponho à margem uma nota que diz «pouco oral», ou seja, estou a pedir ao autor que refaça as falas para que fiquem mais perto do que dizemos na realidade. Não podemos pôr um analfabeto a falar como um erudito, nem uma criança a falar como um adulto, embora também não possamos reduzir a linguagem infantil ao que ela é na verdade nos casos em que o narrador é uma criança, sob o risco de aniquilarmos qualquer réstia de literatura e o livro ficar uma estopada... Mas há que tornar qualquer diálogo minimamente verosímil e nem sempre é fácil conjugar o que é consistente com o que é bonito. Por isso, algumas pessoas nunca incluem diálogos nos seus livros...
Hoje recomendo um romance em que uma criança é o narrador, e a linguagem me parece extremamente adequada à idade e à personagem: Extremamente Alto e Incrivelmente Perto, de Jonathan Safran Foer.