Um livro muito escuro
Na nossa vida, por uma ou outra razão, há sempre livros que, se não forem lidos na altura em que são publicados, acabam por ir ficando para trás, numa lista interminável de obras a ler que raramente conseguimos recuperar. Tenho lá muitos em que ainda queria pôr os olhos antes de me dar o tranglomanglo (caramba, há quanto tempo não usava esta expressão!), mas suspeito de que para os mais sérios e longos já não vou ter paciência ou concentração. No entanto, nos últimos tempos fui buscar um desses atrasados à estante e foi um belo presente de Natal atrasado que dei a mim mesma. Trata-se de Beloved, da norte-americana Toni Morrison, vencedora do Prémio Nobel da Literatura em 1993, e nas primeiras páginas eu já estava caidinha por aquela prosa que não é fácil mas cheira a invenção e inteligência por todos os lados. A história fala de um grupo de escravos que tiveram a sorte de trabalhar muitos anos na «Sweet Home» de um casal que os «tratava bem». Porém, com a morte do chefe de família, a viúva teme ficar sozinha com os negros e resolve trazer para tratar da propriedade um mestre-escola e os seus dois sobrinhos, cuja presença e comportamento mudarão para sempre a vida dos escravos. Na sequência de alguns actos violentos, a fuga será tentada ou executada, mas as consequências serão terríveis, e nem as crianças conseguirão escapar ao difícil destino que lhes calhou em sorte. Maravilhoso, mágico, duríssimo, escuríssimo, um primor de linguagem inventiva, este é um livro realmente especial que não deve deixar de ser lido num momento em que as questões do racismo e da escravidão são tão comentadas. Mas, por favor, não vale ler a sinopse da contracapa: é um texto muito desmancha-prazeres que conta o que o leitor deveria descobrir sozinho já passada metade do livro...