Uma estante só sua
A brilhante Virginia Woolf sonhava com um quarto só seu, reivindicando com a sua obra ímpar um lugar para as mulheres que, no seu tempo (e muito depois disso), tinham mesmo de lutar por ele. Mas há escritores que, até por serem homens e já terem «o quarto» há muito tempo, são menos ambiciosos e sonham apenas com uma estantezinha. Estou a brincar, claro, e espero que me perdoem, mas não resisto a reproduzir uma história que encontrei espalhada por aí no dia da morte do elegante e ácido Martins Amis, um grande escritor britânico que foi tão longe como escrever um livro sobre um dandy nazi (A Zona de Interesse). Martin Amis pertencia à geração de ouro dos ficcionistas britânicos do século XX, com Julian Barnes, Salman Rushdie ou Ian McEwan, e foi justamente Rushdie quem contou no dia da sua morte que Amis uma vez lhe disse que o que realmente desejava era que, quando morresse, pudesse deixar atrás de si uma estante cheia de livros e dizer: «Daqui até ali são tudo livros meus.» O escritor recentemente atacado por um radical islâmico durante um festival literário completava a história dizendo que Amis se calara para sempre, que os amigos iriam ter imensas saudades dele, mas que, felizmente, ainda havia a estante que ele deixara.