Uma vida dinamarquesa
Suspeito que, por haver tão poucos tradutores de línguas nórdicas, tenhamos um grande défice de livros publicados em Portugal vindos destas paragens. Mas a boa notícia é que, de vez em quando, aparecem uns bons autores que desconhecíamos completamente, como é o caso de Tove Ditlevsen, dinamarquesa, de quem a Dom Quixote publicou recentemente A Trilogia de Copenhaga. O livro, uma autoficção que se lê como um romance, foi originalmente publicado em três volumes curtos (Infância, Juventude e Casamentos) que na edição conjunta tem um subtítulo ligeiramente diferente, Infância, Juventude, Relações Tóxicas, o que faz muito sentido, uma vez que a dependência terrível de fármacos, ministrados à narradora pelo próprio marido, médico e psicótico, ao longo de muitos anos é a marca mais visível desta última parte da trilogia. Mas o livro é sobretudo interessante porque nos oferece um retrato da Dinamarca muito inesperado: as famílias muito pobres, o frio das casas, o desemprego crónico entre guerras, a marginalização, a frustração de não se poder comprar um vestido ou um casaco quando se é uma rapariga a querer namorar. A infância e a juventude de Tove, que quer ser poeta desde criança mas aprende depressa que as pessoas querem sempre qualquer coisa umas das outras (e por isso vem a casar-se com um editor que podia ser seu pai), é uma infância pessoal que se torna universal na sua narração limpa e fria, sobretudo nas descrições familiares, muito pouco abonatórias. A tradução é do também escritor João Reis.