Vegetarianismo linguístico
Cada vez conheço mais gente que deixou de comer carne. Reconheço que a carne, sobretudo a vermelha, não faz muito bem à saúde – e até como bastante peixe quando estou na Ericeira, porque lá é bom e fresco – mas não sei se estaria pronta para me alimentar apenas de vegetais, como algumas pessoas que conheço. Em todo o caso, a nossa língua também pode ser vegetariana e, mesmo assim, rica. Quanto a fruta, temos desde logo um homem bonito a quem se pode chamar um figo e que, para algumas mulheres, é um pêssego. Se esse homem usa uma barba reduzida, usa pêra, embora também possa levar um pêro se houver briga e a coisa azedar (o que não é pêra doce). Se nos deixa na mão, ficamos, pois claro, com um melão. Conhecemos pessoas de ginjeira, se as conhecemos bem. Um banana é um parvo, enquanto uma coisa aborrecida é uma pessegada. Todos temos maçãs no rosto e os homens ainda têm maçã-de-adão. Uma coisa de assombro é de escacha-pessegueiro (já tinham ouvido esta?) e, quando é simplesmente areia demais para a nossa camioneta, dizemos vulgarmente que é muita fruta. Com os legumes, o português é igualmente criativo. Uma pepineira é uma pechincha e o que é seguro são favas contadas. Anda-se à batatada quando há tareia. Pode ter-se cabeça de abóbora e de alho chocho. Os lisboetas são alfacinhas, os desajeitados são nabos, os ruivos são cenouras, os narizes grandes são pencas. Ficamos num molho de brócolos quando estamos de rastos (se calhar em virtude de nos termos metido numa alhada). Os tomates são o nome mais comum dos testículos. Ficar com os louros também é comum a quem rouba vitórias alheias. Se o nosso interlocutor não quer perceber o que lhe dizemos, podemos comentar: Olha, batatinhas… Um relógio grande é uma cebola e uma confusão é uma salada. Viram como podemos ser vegetarianos de vez em quando?