Velhice e morte
Agora, que por causa da pandemia todos pensamos mais frequentemente na morte e, sobretudo, no medo de morrer, as cenas em que a morte está presente nos livros que lemos saltam mais à vista e tenho vindo a sublinhar algumas (eu, que nem sou de sublinhar livros). Mas, pior do que o medo de morrer, é certamente o medo de ficarmos diminuídos mentalmente com o tempo, ou mesmo de perdermos o tino, o que para um artista será, creio, ainda mais terrível. Stravinsky, quando já estava no fim da vida e a mulher lhe perguntava se precisava de alguma coisa, respondia brilhantemente que apenas precisava de ter a certeza da sua própria existência, o que é também uma forma de se assegurar da própria lucidez e saber-se vivo. Somerset Maugham não teve grande sorte quanto a isso, pois diz-se que, depois dos oitenta, baixava as calças em qualquer lado e fazia cocó atrás dos sofás, num caricato e triste regresso à primeira infância. Goethe, porém, manteve-se com a cabeça fresca até muito tarde (sobretudo se tivermos em conta que no seu tempo as pessoas morriam bastante mais novas do que hoje); passou os 80 anos com uma saúde de ferro e a mente a funcionar em beleza (Fausto é dessa altura) e só aos 83 acabou por sucumbir a uma trombose e perder a fala, mas diz-se que, mesmo assim, continuou a escrever letras na manta que lhe cobria as pernas, com pontuação e tudo!, como só pode acontecer a um verdadeiro génio. Sobre o livro em que tudo isto e muito mais nos é contado, falarei um dia destes, quando o terminar.
Hoje recomendo, por piedade deste fim de Maugham, que não merecia, O Fio da Navalha, o Véu Pintado ou A Servidão Humana, mas ele foi um autor prolixo, há muito por onde escolher.