Ver mais?
Estou sempre a lamentar a falta de leitura em geral e a falta de leituras dos que querem ser escritores, e não gosto que digam que estou enganada e que me atirem areia para os olhos com o argumento de terem subido as vendas de livros, pois muitas vezes, garanto, uma coisa não tem nada que ver com a outra. Há muitos livros comprados para as estantes, não sei se sabem, por pessoas que respondem a um impulso momentâneo, mas na verdade não são leitoras. Há também muitos livros vendidos em lançamentos por serem de alguém famoso ou conhecido, ou de aguém próximo, e levam o autógrafo e tudo, mas não significa que vão parar à mesa-de-cabeceira e ocupem os seus donos todas as noites antes do sono. Há ainda muitos livros recomendados por professores, mas dos quais é lido apenas um capítulo-chave. E há também imensos livros começados com coragem mas abandonados. Se um texto mais longo não assustasse muita gente (a solidão, a atenção, o tempo e a concentração que requer ler um livro ou um artigo mais extenso), uma rede social como o Facebook não deixaria à vista apenas as três linhas iniciais de um texto de vinte ou trinta linhas seguidas de "Ver mais", dando a hipótese ao leitor de continuar (ou não); na verdade, tenho curiosidade em saber quantos clicam neste "Ver mais" e vêem realmente mais (mas devem ser poucos). A velocidade do mundo e o excesso de posts e de informação não ajudam, e eu própria, que sou uma leitora experimentada, dou comigo frequentemente irritada com uma mensagem de e-mail excessivamente comprida só para pedir a leitura de um original... A jornalista Bárbara Reis, do Público, referiu recentemente uma expressão usada pelos jovens de hoje (a geração Z) que é assustadora: TLDR. Sabem o que significa? "Too long, didn't read." Os calhamaços têm, ao que parece, os dias contados, e obras como a Recherche nem sequer devem chegar a ser consideradas: too long, infelizmente... Que mundo estranho este, em que o tamanho do texto vai definir provavelmente a formação dos leitores do futuro. Ainda bem que, pelo menos, 1984 não é um calhamaço.