Viver noutro mundo
Sempre achei admirável pessoas de línguas diferentes apaixonarem-se, casarem-se e entenderem-se às mil maravilhas, porque tive na juventude um namorado flamengo com quem comunicava em inglês e faltavam-me sempre as palavras nos momentos certos... Um dos meus melhores amigos, diplomata, foi, porém, casado com uma japonesa que mal sabia falar inglês (e ele desconhecia o japonês) e viveram juntos muitos anos, embora o casamento se tenha desfeito quando saíram do Japão porque ela não se adaptou à vida na Austrália. No livro que leio neste momento, O País dos Outros, de Leïla Slimani, que já venceu o Goncourt com outro romance, Mathilde, uma jovem francesa, apaixona-se por Amine, um belo marroquino, durante a Segunda Guerra Mundial; e não hesita em segui-lo para Marrocos quando ele é libertado de um campo de prisioneiros, passando a viver num país em que estranha quase tudo: a língua, a sogra, as baratas, o calor tórrido, a falta de escolaridade da cunhada, a falta de liberdade das mulheres. Embora ame Amine e acabe por ter dois filhos dele (uma menina muito mística e um rapazinho mimado), da primeira vez que regressa à Europa por causa da morte do pai, sente uma identificação de tal modo grande com a sua pátria que chega a pensar em abandonar os filhos, esquecer-se de tudo e ficar para sempre no seu país, e não voltar ao país dos outros. Hoje existem muitíssimos jovens que adoram viajar para os confins do mundo (tenho uma sobrinha que andou a ajudar a reconstruir casas no Nepal depois de um terramoto e vai de férias para lugares como a Nicarágua...), mas será que conseguiriam viver em países que são mesmo outros mundos em todos os sentidos? Vale muitíssimo a pena ler este romance.